segunda-feira, 7 de março de 2011

Semente de Esperança

São Paulo, 04 de março de 2011

“A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. (Paulo Freire)

Oi Lucas, espero que esteja tudo bem por ai. Desde que você foi para o Chile nunca mais nos comunicamos. Fiquei muito feliz em saber que a sua ONG pela educação está dando muitos frutos.
Falando em educação, hoje fui visitar a escola na qual farei estágio. É uma escola do Estado situada aqui mesmo na zona sul. Meu irmão, você não imagina como as coisas pioraram, se você já se impressionava com o desinteresse por parte dos alunos imagine só o que é vê-lo também por parte dos professores.
O coordenador que nos acompanhou (fomos Eliane e Eu) foi muito simpático e educado, ele demonstrou muito zelo pela escola, nos mostrou as salas de aula, refeitório, sala de vídeo (se é que se pode chamá-la assim), sala de informática (são 15 computadores para uma média de 50 alunos por classe) cozinha e a sala dos professores. Na sala dos professores conhecemos o professor de Sociologia. Ele nos cumprimentou, perguntou o que tínhamos visto sobre o assunto na faculdade e, logo em seguida, nos deu suas recomendações.
Lucas, ele nos disse que seria muito bom que a nossa próxima graduação fosse em uma área não ligada à Educação, pois, segundo ele, “ninguém consegue se aposentar nisso aqui”. Disse também que para alguns colégios particulares a experiência na rede pública de Educação é ponto negativo no currículo, e nos contou da humilhação que passou em uma entrevista num desses colégios caríssimos. Este professor falou ainda sobre o grau de conhecimento dos nossos futuros alunos “Eles mal sabem ler, por isso fica muito difícil trabalhar algum conhecimento filosófico ou sociológico”.
Isso para nós não foi nenhuma novidade, já sabíamos da situação da Educação, mas ainda não tínhamos visto o seu reflexo tão de perto. Meu irmão, se a esperança dos professores acabar não adianta mais lutar, pois os alunos nem sabem o que é isso e o Estado quer mais é que fiquemos todos ignorantes.
Esse banho de água fria foi importante para mim. Agora estou ainda mais convicta da minha missão. Sei que quando for professora os alunos continuarão desrespeitando, alguns professores continuarão desanimados, e eu continuarei tentando fazer algo pelos jovens.
Carrego comigo a semente da esperança plantada em nós pelos nossos pais e regada por nossas experiências de luta, negá-la seria negar o que eu sou.

Te amo muito e sinto sua falta, mas sei que é por uma causa nobre.


Cláudia


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

De Um Grande Irmão

Oi Pedro, espero que esteja bem.
Cara tive que te escrever esse bilhete, estou preocupado com você.
O que te aconteceu? Foram o dinheiro e o sucesso que te subiram à cabeça?!
Não posso aceitar pacificamente que um grande amigo (quase irmão) da turma de jornalismo da PUC esteja ligado a um programa tão fútil, tão previsível ...
Lembra-se da cobertura da guerra do Golfo? Da queda do Muro de Berlim? Lembra-se de como o compromisso com o jornalismo era levado a sério, Pedro?
Cara, éramos felizes naquela época. Nosso trabalho era motivo de orgulho para os nossos. Conhecemos pessoas das quais nunca nos esqueceremos, verdadeiros heróis e heroínas!

Pois se você esqueceu, meu caro amigo, escrevo esta carta para te fazer lembrar.

Abraços.

Um grande irmão.

O Sonho de Muita Gente

Achei que já era a hora de termos uma conversa séria, mas você (isso mesmo, não estou te chamando de senhor!) é um cara tão ocupado, não é mesmo?! Achei que uma carta atenderia às minhas necessidades. Espero que não haja nenhuma objeção.
Bom, vou direto ao assunto. Não quero mais trabalhar para você, eu ME DEMITO!
Não é possível que você não enxergue a realidade da empresa.
Acredito que pessoas como você nunca entenderão que os chefes é que dependem dos funcionários e, sendo assim, deveriam CONFIAR neles e, acima de tudo, RESPEITÁ-LOS.
E tem outra coisa, você já parou para pensar que às vezes o erro pode ter sido seu?! Se me permite dizer, no caso da sua empresa, quando o erro não é seu, quem errou estava pensando em você. Pense nisso. Não desejo o seu bem, mas me preocupo com a qualidade de vida daqueles que pensam mesmo que o cargo que ocupam é o máximo que podem alcançar, aqueles que ainda não perceberam seu potencial.
É isso, já me estendi demais.
Ah, assim que eu voltar do Guarujá passo ai para acertarmos as contas.

Felipe.

Carta da Mãe

Paris, 04 de julho de 1998


Oi filho
Desculpa demorar tanto pra responder sua última carta, mas é que estive sem tempo nos últimos dias.
Aqui em Paris tudo é muito lindo, as ruas, as casas, os cinemas e os parques... Ainda te trago para passar uns dias comigo.
Respondendo às suas perguntas, estou trabalhando bastante e continuo morando com seu tio Mauro, dividimos um apartamento que tem vista para uma loja de brinquedos, você ia adorar. Ainda não sei quando volto para o Brasil, estou trabalhando para conseguir um bom dinheiro para seus estudos, filho.
Não dê ouvidos aos colegas do orfanato, eles não entendem nada de profissões, se perguntarem novamente o que faz sua mãe, diga que sou enfermeira e é por isso que trabalho no período da noite. Sempre existirão pessoas que se divertem às custas da tristeza alheia, mas nós temos que ser mais fortes do que isso meu anjo.
Tenho certeza que, se você se esforçar, conseguirá fazer alguns amigos ai. O início de qualquer etapa da vida parece um pouco assustador (foi assim comigo também, aqui em Paris), e é exatamente nas horas difíceis que devemos ser fortes.
Quando você se sentir sozinho lembre-se de mim, de como eu te amo, pense nos momentos felizes que vivemos, lembre das nossas risadas e dos abraços mais apertados. Um dia estaremos juntos novamente e poderemos viver e construir nossa felicidade.
Te amo pra sempre.

Cecília (mamãe)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Para o Papa

Olá santidade (não encontrei melhor saudação para me referir ao sucessor de Pedro).
Primeiramente peço a sua benção e agradeço por encontrar tempo para ler minha carta (espero que ela chegue até o Vaticano). 
Bento (será que posso te chamar assim?), o que venho pedir por meio desta carta é de grande importância para mim, peço que leia com toda a caridade que trazes no coração. 
Sei que as particularidades da minha vida não lhe dizem respeito e tampouco devem mudar algo na sua vida, mas para que vossa santidade entenda a gravidade do problema será necessário entrar em alguns detalhes nada agradáveis. 
Em fevereiro deste ano fui à despedida de solteiro do Thiago, um amigo de trabalho. A princípio eu estava desanimado e não queria ir, mas os demais colegas insistiram tanto que acabei indo. 
A festa estava muito animada, com muita bebida e muitas garotas (não me leve a mal, santidade, só fui à festa a fim de prestigiar meu colega). Enchemos a cara e presenciamos atitudes comuns a homens na nossa situação: abraços, declarações de amor (de nós para nós mesmos), danças em cima da mesa e tudo mais que se pode esperar de homens trêbados. 
Lá pelas 5 da manhã os sujeitos começaram a ir para suas casas, percebi que já era minha hora de ir. Passei a mão nos bolsos e tive uma enorme surpresa: na agitação da festa perdi a carteira e as chaves do carro e de casa! Entrei em desespero, sai procurando por todo o bar, mas não tive sucesso na busca. 
Thiago, compadecido da minha situação, sugeriu que eu fosse para sua casa, descansasse pra depois resolver esse problema com mais calma (ali tive plena certeza de que o Thiago era meu amigo, ta vendo santidade, como não comparecer a uma festa pra prestigiar um cara desses?!), é claro que eu aceitei. 
Ao chegarmos na casa do Thiago fomos surpreendidos: a noiva dele, Marina, estava esperando pra lhe fazer uma surpresa, mas como a festa demorou para acabar ela acabou enchendo a cara de uísque e dormindo no chão da sala. 
Com muito esforço, Thiago conseguiu levá-la para o quarto (não porque ela era pesada, mas porque ele ainda estava muito bêbado), afinal, o chão da sala estava reservado para mim. 
Me deitei no tapete e não demorei muito a pegar no sono. Quando imaginei que os sustos teriam acabado fui surpreendido por Marina me acordando e me convidando a tomar mais alguns uísques. 
Bom santidade, a partir desse momento minhas memórias não são tão precisas, mas imagino que os detalhes não seriam do seu agrado. O que posso lhe dizer é que fugi com Marina para alguma cidadezinha do interior onde passamos alguns dias, antes de nos casarmos na cidade vizinha. Isso mesmo santidade, casei com a mulher do meu amigo! 
É agora que faço o meu pedido. Precisamos desfazer esse casamento! 
A Marina até que é bonitinha, mas tem alguns hábitos que não me agradam muito, entende? Acho que não. O senhor nunca vai saber o que é acordar com um sussurro da sua esposa ao pé do ouvido, o que seria uma maravilha se ela não tivesse um bafo de latrina, acredito também que o senhor nunca saberá o que é encontrar peças íntimas dela penduradas no registro do chuveiro, cabelo no ralo do banheiro e também na sua escova de dentes! 
Santidade, aguardo ansiosamente uma resposta sua. Já combinamos que, assim que o casamento for anulado, voltaremos para São Paulo e inventaremos uma história bem convincente para o Thiago, assim eles poderão se casar, como tinham planejado. 
Um sujeito normal simplesmente ignoraria o fato de ter se casado com a noiva do amigo, voltaria pra casa e fingiria que nada disso teria acontecido. Mas eu sou um sujeito de bem meu caro papa, sou de família e não quero estar em desagrado com o cara lá em cima. 

Meus mais sinceros agradecimentos pela sua admirável atenção.



Pedro Lúcio.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Para Lígia

Oi (meu amor) Lígia.

Sei que talvez esta carta só tenha chegado até você muito tempo depois da minha partida, mas não foi minha culpa, por favor, antes de pensar que não me importo com você e com (Guilherme e ...) nossos filhos, me deixe explicar tudo o que aconteceu.
Naquela tarde de domingo todas as mercearias estavam fechadas e eu precisava mesmo comprar cigarros (você sabe como eu fico alterado quando acabam meus cigarros), então peguei um ônibus para ir até o mercado mais próximo. Acontece que, no meio da viagem, peguei no sono e só acordei no ponto final. Pra não dar viagem perdida, fui, mesmo assim, comprar os cigarros. Comprei. Fumei. Fiquei mais tranquilo. Mas toda essa tranqüilidade foi pro espaço quando percebi que o dinheiro que me restava não era suficiente pra passagem do ônibus de volta.
Enquanto não encontrava uma solução fui caminhando pelo centro da cidade, veio a noite, o frio, a fome e, pra completar a desgraça, acabaram-me os cigarros. Minha sorte foi ter conseguido fazer amizade com alguns moradores de rua, eles me ofereceram um papelão pra poder esticar o corpo. Enquanto o sono não vinha conversamos sobre muitas coisas. Descobri que moradores de rua não foram sempre moradores de rua. Um deles tinha feito faculdade e tudo mais. Nos tornamos amigos de verdade.
No outro dia conseguimos comer graças (ao peso na consciência) à boa vontade dos transeuntes que passavam por ali. Dei um jeito na fome e no frio, mas ainda não tinha o dinheiro da passagem, e muito menos cigarros. Bem, o cigarro não foi problema por muito tempo, meus amigos novos me ofereceram uma novidade, digamos assim. O único problema dessa novidade é que afeta a memória, mas como faz passar a fome e alivia a ansiedade, resolvi aderir.
Depois de algumas semanas acompanhando meus novos amigos, comecei a me acostumar com algumas coisas como falta de grana, bens e, principalmente, o cheiro deles (que agora era o meu também).
Numa tarde dessas estávamos na beira de uma estrada que já tentei lembrar o nome pra escrever nessa carta, mas não lembrei, um caminhão se aproximou numa velocidade nada comum para os caminhoneiros daquela região. O caminhão estava quebrado. Segundo o dono do caminhão era alguma coisa no motor.
Pra sorte dele Cássio, um dos nossos, era dono de uma oficina e resolveu o problema, pra nossa sorte, o caminhoneiro tinha bom coração. Ele nos ofereceu uma carona até o litoral. Aceitamos sem pensar duas vezes.
(Querida) Lígia, pra encurtar a história...
Não pretendo voltar pra casa.
Esta carta só chegou pra você agora (oito meses depois da minha partida) porque resolvi escrevê-la somente agora...
Sou outro homem agora, Lígia. Quando respiro fundo posso sentir a liberdade percorrendo cada poro da minha pele, sinto que sou dono dos meus passos. Aprendi a fazer alguns artesanatos, e, pra minha surpresa, eles fazem o maior sucesso aqui no litoral. Não dá pra comprar muita coisa, mas tenho vivido bem fazendo isso.
Espero que a raiva que você está sentido agora não te impeça de ser a ótima mãe que eu sei que você é.

O que eu queria naquela tarde de domingo não era conseguir cigarros, eu queria ser livre.


Queria muito assinar essa carta, mas de tanto me chamarem de Joca acabei esquecendo meu nome.


JOCA